Terça do Direito: O COMBATE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: INOVAÇÕES DA LEI 14.188/21

– “É pecado sonhar?
– Não, Capitu. Nunca foi.
– Então por que esta divindade nos dá golpes tão fortes de realidade e parte nossos sonhos?
– Divindade não destrói sonhos, Capitu. Somos nós que ficamos esperando, ao invés de acontecer (...)”
Dom Casmurro, Machado de Assis.
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Neste momento de angústia, de medo, de perplexidade frente ao desconhecido, um velho conhecido problema brasileiro permanece ainda perene: a violência contra a mulher. O fosso humano, sabemos, tem muitos fins, ou até fim nenhum. A violência contra a mulher é um desses fossos. Em pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicou que as violências nas ruas diminuíram com a pandemia, porém aumentaram agressões dentro de casa.
Foi com essa triste realidade que o Congresso Nacional aprovou, e o Presidente sancionou, a lei 14.188/21, que altera o Código Penal ao prevê, expressamente, a violência psicológica contra a mulher como crime. Além de instituir o programa “Sinal Vermelho contra a violência doméstica”. Tudo compõe o denominado “Pacote Basta”, que institui crime e altera trechos da lei Maria da Penha.
Dentre algumas importantes inovações, está a pena de reclusão do agressor por lesão corporal cometido contra a mulher por razões de sua condição feminina, além do afastamento do lar quando o agressor puser em risco, atual ou iminente, a segurança física ou psicológica da mulher.
Ainda que não seja uma legislação revolucionária, haja vista a existência da Lei nº 11.340/06 que em seu artigo 7º prevê, num rol exemplificativo, as diversas formas de violência doméstica que, resumidamente, podem ser classificadas em física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
A nova legislação pretende proteger a mulher vítima daquelas formas de violência que não deixam vestígios. Ou seja, é fácil perceber numa mulher um machucado decorrente de lesão corporal, lesões na genitália decorrente de estupro, um dano patrimonial com possibilidade de quebra de sigilo bancário ou nos casos de crime contra a honra obter uma prova testemunhal.
A violência psicológica é a mais velada de todas. E por assim ser, torna-se a mais perigosa. É dessa violência que todas as outras acontecem, inclusive o feminicídio. Por não deixar vestígios aparentes, é a mais cotidiana. Antes de uma mulher ser agredida fisicamente, ela é tortura, humilhada e abalada psicologicamente. Já disciplinava o art. 7, II da lei 11.340/06:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Como crime, a nova lei assim disciplinou:
Artigo 147-B — Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”

Quanto a criação do programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, a lei cria, como medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, um canal de comunicação para viabilizar assistência e segurança à vítima, cabendo a mulher efetuar a denúncia apenas por meio de um código "sinal em formato de X", preferencialmente feito na mão e na cor vermelha (artigos 1º e 2º da Lei nº 14.188/21).
No âmbito municipal, o Município de Santa Cruz promulgou a lei 803/2021 que veda o preenchimento de cargos públicos comissionados por pessoas que tenho sido condenadas por agressões contra mulheres.
Ainda que as legislações brasileiras que visem combater as agressões contra a mulher surjam tardes demais no Brasil, como o caso da Lei Maria da Penha, que só existe por recomendação das cortes internacionais, a sanção da Lei 14.188/21 representa um passo importante para a diminuição dos casos de violência doméstica ou, quem sabe utopicamente a sua extinção.
Porém, entre cada reforma legislativa que aprimora esse combate com novas armas, uma sempre foi a mais eficaz, a própria consciência da mulher em denunciar as agressões. Em dar um basta. Afinal, como disse Edgar Allan Poe, no poema o Corvo:

“Que esta palavra nos aparte,
ave ou inimiga!
Eu gritei, levantando.
Volta para a tua tempestade e para a orla das trevas infernais!
Não deixa pena alguma
como lembrança dessa mentira que tua alma aqui falou!
Deixa minha solidão inteira!
Sai já deste busto
Sobre minha porta!
Tira teu bico do meu coração,
E tira tua sombra da minha porta!
E o Corvo disse:
“Nunca mais”

ALYSON ALVES DE LIMA. Advogado. Mestre em Direito pela UFRN. Servidor Público. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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